PLANOS ECONÔMICOS E OS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS

12 de Setembro de 2023

Conceito Histórico

Provavelmente você sabe bem, ou pelo menos já ouvir falar, sobre os problemas históricos vividos no Brasil causados pela inflação. Caso você não tenha ideia do que os efeitos da inflação podem causar, confira minha publicação anterior: Atualização Monetária: Entenda Sua Importância e Como Calcular.

Até os dias de hoje ainda podemos dizer que vivemos em uma economia inflacionária, se compararmos há um país economicamente estável, como os Estados Unidos. Entretanto, até o advento do Plano Real a situação era caótica.

Por exemplo, em fevereiro de 1990, a inflação mensal, segundo o INPC, foi de 73,99%. O que isso quer dizer? Significa que, ao final de fevereiro, você precisaria de NCz$ 1.739,90 para comprar o mesmo que compraria com NCz$ 1.000,00 no ínicio daquela mês.

Em dois meses, você precisaria de mais que o dobro do valor. Agora imagine os impactos disso ao longo de um ano.

Na prática, na vida das famílias brasileiras, o que acontecia é que não havia confiança alguma na moeda e boa parte acabava optando por gastar seu dinheiro o mais rápido possível, pois os preços nas prateleiras dos mercados mudavam diariamente.

Medidas Governamentais Contra a Inflação

As principais medidas adotadas pelos governos, na tentativa de conter a hiperinflação, foram as mudanças de moeda e os expurgos inflacionários das cadernetas de poupança. Essas medidas eram criadas através dos Planos Econômicos.

Como o foco desta postagem são os expurgos inflacionários, nos ateremos a eles, sem adentrar no assunto de mudanças de moedas.

Os Planos Econômicos

Iremos abordar aqui os quatro planos econômicos que tinham como uma de suas medidas os expurgos inflacionários. São eles: Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989), Plano Collor I (1990) e Plano Collor II (1991).

O simples fato de haver tantos planos econômicos em um intervalo tão curto de tempo, já mostra por si só que na prática todos foram grandes fracassos na tentativa de atingir seu principal objetivo: Conter a hiperinflação!

Mais do que isso, muitas vezes os planos foram marcados por trapalhadas do governo, o que sem dúvidas contribuiu para agravar o problema.

Como foi dito, a economia só atingiu a estabilidade após o advento do Plano Real, sendo este o que de fato funcionou.

Plano Bresser

Criado durante o governo Sarney, conduzido pelo então Ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, foi um conjunto de medidas econômicas implementadas no Brasil em 1987.

Até junho daquele ano, as cadernetas de poupança eram remuneradas com base na atualização dos saldos, usando o índice de variação mais alto entre o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) e a LBC (Letra do Banco Central).

Contudo, em julho de 1987, como parte das medidas do Plano Bresser, houve uma modificação no índice de correção das quantias depositadas na poupança para a OTN (Obrigações do Tesouro Nacional). Essa alteração foi estabelecida pela Resolução 1.338 do Banco Central, datada de 15 de junho de 1987.

A legislação previa que essa mudança não afetaria as poupanças que tivessem data de aniversário até 15 de julho. Contudo, o que ocorreu na prática foi diferente: todas as contas de poupança foram remuneradas a uma taxa de 18,02%, com base na OTN de junho.

De acordo com o direito adquirido, o correto seria a correção pelo sistema anterior, ou seja, usando o índice mais alto entre o IPC e a LBC, que em junho de 1987 era de 26,06%.

Essa situação resultou em uma diferença de 8,04% que foi descontada das contas dos poupadores.

Plano Verão

Em janeiro de 1989, também durante o governo Sarney, fora criado o Plano Verão, com uma série de novas medidas visando conter aquilo que o plano anterior já havia falhado.

Uma das medidas incluía a alteração dos índices usados para corrigir as cadernetas de poupança: da OTN para a LFT (Letra Financeira do Tesouro).

Em tese, essa nova determinação deveria ser aplicada apenas às poupanças que completavam aniversário após 15 de fevereiro. Entretanto, acabou sendo aplicada para todas as cadernetas de poupança com aniversário em fevereiro, recebendo uma correção de 22,3589%.

A principal trapalhada desse plano foi o fato de a OTN ter sido extinta, deixando as cadernetas sem índice oficial para correção.

Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu jurisprudência para aplicar o IPC de janeiro na correção dos valores depositados nas poupanças que aniversariavam entre 1º e 15 de fevereiro daquele ano. O IPC de janeiro foi de 42,72%.

Isso tudo acabou resultando em um expurgo de 20,36%.

Plano Collor I

Implantado durante o governo de Fernando Collor de Melo, mais precisamente em 16 de março de 1990, o Plano Collor I ficou conhecido por uma série de medidas drásticas na economia, sendo a mais impactante o bloqueio dos ativos financeiros. Dentre essas medidas, mais uma vez, estavem os expurgos inflacionários.

Diferentemente dos períodos de julho de 1987 e fevereiro de 1989, em que os direitos adquiridos dos poupadores foram a base do problema, desta vez o desafio surgiu de uma brecha na legislação que previa a alteração dos índices.

Conforme estabelecido pela Medida Provisória 168, de 15 de março de 1990, os saldos depositados em cadernetas de poupança passaram por um processo que incluía a conversão para cruzeiros até o limite de NCz$ 50.000,00. Os valores excedentes seriam recolhidos ao Banco Central e liberados a partir de setembro de 1991, em doze parcelas mensais.

A MP 168/90 também especificou que os valores excedentes seriam atualizados pelo índice BTN Fiscal. No entanto, não esclareceu como os valores até NCz$ 50.000,00 disponíveis aos poupadores seriam atualizados.

Diante dessa situação, os valores disponíveis continuaram sendo atualizados pelo IPC do Plano Verão. Para corrigir esse equívoco, foi editada a MP 172/90, que determinou que o BTN Fiscal seria o índice de remuneração para todos os valores, tanto os disponíveis quanto os recolhidos ao Banco Central.

A MP 168/90 foi posteriormente convertida na Lei 8.024/90, sem considerar as alterações introduzidas pela MP 172/90. Esse erro levou novamente à consideração do IPC para a remuneração dos valores disponíveis até NCz$ 50.000,00.

Plano Collor II

O Plano Collor II foi uma continuação e um aprofundamento das políticas iniciadas com o Plano Collor I, com o objetivo de promover reformas estruturais na economia brasileira. Foi criado inicialmente a partir da MP 294/1991, sendo posteriormente convertida na Lei 8.177/1991.

Uma das medidas aplicadas foi a extinção do BTN fiscal e a criação da Taxa Referencial Diária, que passou a ser o índice utilizado para remuneração da poupança a partir de 1º de fevereiro de 1991. Com isso, os bancos passaram a ter o BTN como índice até janeiro de 1991 e a TRD após essa data, ocasionando o expurgo de 21,87% para os valores disponíveis, sem englobar os valores bloqueados.

Nos Tribunais

Já há jurisprudência nos Tribunais para permitir o ressarcimento dos valores através de ação judicial. Para mais detalhes verifique os temas: 303, 304, 887 e 991.

O Perito e os Cálculos

Os valores serão reajustados mediante a realização de perícia financeira, realizada preferencialmente por um Perito Contador, o qual estará incumbido de resgatar esses valores devidos à época, bem como atualizá-los para data do cálculo e considerar a aplicação de juros de mora quando devidos.

Etapas para a Elaboração do Cálculo

Primeiramente, devemos entender como funciona a remunaração da poupança. Ela consiste na soma da correção monetária do período e dos juros remuneratórios de 0,5% a.m. capitalizados sobre o valor corrigido.

Os expurgos inflacionários nada mais são do que percentuais de correção monetária não repassados aos poupadores, sendos devidos esses percentuais bem como os juros que incidiriam sobre eles.

Para realizar esse ajuste devemos seguir as etapas a seguir:

1. Qual o valor do saldo da conta na data em que ocorreram os expurgos inflacionários?

Sempre deverá ser considerado o extrato do mês anterior a data em que ocorreram os expurgos. O saldo ao final desse mês será o valor base para o cálculo dos expurgos.

2. Encontre a diferença entro o valor que deveria ter sido pago e o valor efetivamente pago:

Aqui é preciso calcular o valor que deveria ter sido pago, acrescentando os juros de 0,5% mensais sobre o valor atualizado.

Em Seguida, é necessário apurar a diferença entre o valor obtido e o valor que realmente foi pago à época do plano econômico. Lembrando que sobre esse valor também deverá ser observado o acréscimo de juros remuneratórios.

3. Traga os valores para a data do cálculo:

Sobre a diferença apurada é necessário aplicar o índice de atualização monetária determinado na sentença ou, na ausência desse, considerar o índice utilizado pelo Tribunal em questão.

4. Calculando os juros remuneratórios:

Primeiramente, é necessário verificar se os juros remuneratórios sobre todo o período devido deverão realmente ser calculados. Na maioria dos processos a resposta será positiva, porém, deverá haver expressa determinação na sentença.

Caso positivo, deverá ser aplicado 0,5% a.m. capitalizados desde a data em o que o expurgo ocorreu até a data da realização do cálculo.

5. Calculando os juros de mora:

Por fim, para se calcular os juros de mora, primeiramente é necessário verificar a data base definida para o cálculo, que, em geral, será a data da citação.

Caso a data base para o para o cálculo seja anterior a 10/01/2003 será aplicado 0,5% a.m. de forma simples e pro rata sobre o total de dias entre a data do expurgo e 10/01/2003. Após essa data será considerado 1% a.m.

Lembrando que a base para o cálculo de juros de mora é a diferença atualizada acrescida dos juros remuneratórios.

O Valor total devido ao poupador será a soma da diferença atualizada acrescida de juros remuneratórios e moratórios.

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MÉTODO DE EQUIVALÊNCIA A JUROS SIMPLES

8 de Setembro de 2023

Talvez o principal ponto controverso nos inúmeros lítigios em contratos bancários que passam pelos tribunais seja a capitalização de juros. Até hoje, na maioria dos processos sobre esse tipo de contrato em que atuei como perito contador, a capitalização de juros sempre fazia parte dos questionamentos a serem respondidos.

Nem sempre o contratante tem razão ao questionar a capitalização, mas muitas vezes realmente a forma de capitalização utilizada pelo banco é incorreta.

Neste post explicarei quando a capitalização é indevida e como recalcular o valor do empréstimo ou financiamento através do Método de Equivalência a Juros Simples. Mas primeiro é necessário entender o que é a capitalização de juros.

Capitalização de Juros: Simples ou Composta?

Primeiramente, é necessário esclarecer que, diferentemente do entendimento comum, sempre que há incidência de juros sobre um capital ocorre a capitalização. A capitalização nada mais é do que a incorporação dos juros ao valor devido no decorrer do período contratado.

No entanto, essa capitalização pode ser simples ou composta. Vejamos:

Capitalização Simples

A capitalição simples ocorre quando os juros incorridos não se somam ao capital financiado.

Como exemplo, para tornar o entendimento mais didático, sem levar em conta a amortização, consideremos a capitalização em um investimento. Digamos que você invista R$1mil à uma taxa de juros de 5% ao mês com capitalização simples. Teremos o seguinte:

Primeiro mês: 1.000 x 5% = 50,00

Segundo mês: 1.000 x 5% = 50,00

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Décimo mês: 1.000 x 5% = 50,00

Note que o valor do juros em todos os meses incide apenas sobre o valor inicial, sendo igual em todo o período. Após 10 meses, a soma dos juros será R$500. Isso é capitalização simples!

Capitalização Composta

Agora, imagine esse mesmo investimento considerando uma capitalização composta:

Primeiro mês: 1.000 x 5% = 50,00

Segundo mês: 1050 x 5% = 52,5

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Décimo mês: 1551,33 x 5% = 77,57

Note que o valor dos juros do período anterior é incorporado ao capital do período seguinte, formando nova base para o cálculo de juros. No décimo mês, o valor total de juros acumulados será de R$628,89.

Fácil?

Agora, quando se trata de um empréstimo ou financiamento precisamos considerar a amortização do saldo devedor, afinal, o valor que você já pagou não pode continuar incidindo juros. E é aí que tudo fica mais díficil.

A Capitalização e a Justiça

Apesar de a explicação anterior deixar claro que há capitalização simples e composta, o entedimento comum, principalmente nas questões legais é que, quando se fala de capitalização está se referindo a capitalização composta.

Então, para mantermos o entendimento comum, que, embora errado, é o de fato utilizado, a partir de agora vamos nos referir a capitalização composta como “capitalização” e a capitalização simples como “sem capitalização” ou “não capitalizado”. Seguindo.

Grande parte das revisionais bancárias pleiteiam a abusividade em contratos de empréstimos com juros capitalizados. Entretanto, não há nada errado em capitalizar, contanto que expressamente exposto no contrato. Esse é o entendimento do STJ, conforme a Súmula 539:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada.

Também entende o STJ que se a taxa anual expressa em contrato for superior ao duodécuplo (12 vezes) da taxa mensal é o suficiente para se permitir a capitalização.

Então, caso o contrato atenda essas condições, não há o que se questionar a respeito da capitalização.

Entretanto, é comum contratos que não informam a capitalização. E é aí que está a vantagem dos contratantes em relação aos bancos.

Geralmente quando comprovado que o contrato não informa a capitalização, os procuradores dos bancos tentam a alegação de que estão utilizando o Sistema Price e que este não capitaliza juros. E, infelizmente, este é o entedimento ainda de muitos juízes.

Esse equívoco acontece porque, no Sistema Price, na amortização, os juros incidem apenas sobre o saldo devedor. E muitos se valem desse artíficio para tentar convencer os tribunais. Acontece que, no Sistema Price, a capitalização ocorre já no cálculo da parcela. Vejamos:

Na fórmula acima, “PV” representa o valor financiado, enquanto “i” representa a taxa de juros e “n” o número de parcelas. Note que o número de parcelas está como potenciação. É aí que ocorre a capitalização.

Lembra do exemplo anterior, sobre o investimento de R$1.000?

Para apurarmos o valor total de juros simples ao final do período, basta realizar o seguinte cálculo:

Juros = 1.000 x (5% x 10) = 500

Agora, para obtermos o valor total de juros na capitalização composta, precisamos aplicar a seguinte fórmula:

Juros = 1.000 x ( (1+5%)^10)-1) = 628,89

A fórmula PMT é um pouco mais complexa apenas porque leva em consideração a amortização do saldo devedor ao longo do período, mas a premissa é a mesma para o cálculo de juros compostos em um investimento.

Logo, não resta dúvida: O Sistema Price capitaliza!

Esclarecido isso, vamos explicar agora como retirar a capitalização de juros em um contrato bancário.

Aplicando o Método de Equivalência a Juros Simples

O Método de Equivalência a Juros Simples é um sistema de amortização no qual não há a ocorrência de capitalização nem na amortização nem no cálculo da parcela.

Esse método consiste na utilização do Fator de Valor Atual (FVA) para obter o cálculo da parcela.

Para não tornar este conteúdo muito extenso, explicaremos como obter o FVA em outra publicação.

Cada prestação possui um FVA, sendo a primeira parcela a que possui o maior fator e este vai diminuindo a cada prestação. Para obter o valor da parcela, baste dividir o valor financiado pelo somatório dos FVA.

Após isso, em cada prestação multiplica-se o valor da parcela pelo respectivo FVA. O valor obtido é o que será amortizado. A diferença irá abater dos juros devidos.

Entretanto, nas primeiras prestações o valor de juros devido, considerando a taxa contratada, será maior que o disponível para saldar.

Por conta disso, o método vai acumulando os juros devidos para quitação ao longo das demais parcelas. Ao final, tanto o saldo devedor quanto os juros devidos serão zero.

Considere o seguinte exemplo: Empréstimo de R$2.000 com taxa de juros a 1% ao mês para pagamento em 10 meses.

Cálculo pelo Método de Equivalência a Juros Simples

Note que, conforme foi dito, na décima prestação não há mais nenhum débito em aberto, quitando corretamente a dívida considerando a taxa de juros pactuada.

Então, tenha em mente que nem sempre um financiamento poderá ser recalculado a juros simples, mas quando isso for possível, lembre-se de utilizar o Método de Equivalência a Juros Simples.